Conversámos um pouco com um deles sobre aquilo que ia na nossa cabeça… e ele explicou que de facto muitas vezes não eram simpáticos com o pessoal de fora, mas isso devia-se ao facto de não terem dinheiro para comer. Isto impressionou-me imenso mas ainda mais o facto de eu me dar conta que não consigo lidar com isso. Pura e simplesmente não sei como agir.
Ele ofereceu-nos um chá… vindo do coração acrescentou, depois de ver o nosso ar desconfiado… “un té de mon coeur… pas de commerce” garantiu…
Era um rapaz novo da nossa idade que falava um francês fluente e fácil de compreender…
Palavra puxa palavra… acabámos por ficar sentados no tapete dele durante mais de 1hora… falou-nos da vida de nómada que às vezes levava… vivia-se um dia de cada vez e como era bom poder de um desses dias para o outro embrulhar a trouxa e partir… contou que já tinha sido pastor de camelos no deserto… também era músico e tocava vários instrumentos… conhecia muitos países do Sahara por onde já tinha viajado, Argélia, Mali, etc… falou-nos das dificuldades do povo Tuaregue em manter o seu modo de vida nómada… e não tinha medo de nada… nem de envelhecer, nem de adoecer.. o que virá virá.
Ele, concentrava em si o melhor de dois mundos: o comerciante berbere (da parte da mãe) e o nómada tuaregue (da parte do pai)… Acreditava que nenhum mal lhe aconteceria… pois nenhuma doença sobrevive ao deserto.
Tal como nós, agradecia o facto de sermos diferentes pois assim, teoricamente, teríamos infinitamente mais a lucrar destes encontros… a verdade é que estava tão entusiasmado que mal nos deixou falar… ainda bem para nós.
Achei-o deslocado do seu mundo mas ao mesmo tempo perfeitamente enquadrado.
Consciente mas não completamente aderente ao mundo moderno… dizia que a coisa que mais o irritava era a proliferação dos cyber cafés em tudo o que é terreola… dizia não acreditar que alguma vez o progresso alcançasse o meio do deserto… e nas palavras dele, o mundo era pequeno, mas não o Sahara… o Sahara era enorme…
O chá vindo do coração foi-se bebendo, o tempo foi passando e ele foi contando as histórias dele à medida que fumava cigarro atrás de cigarro.
…
Mas entretanto tivemos que nos despedir, com a promessa de enviar fotos por correio para Mhamid, a sua árida terra natal, quase na fronteira com a Argélia, onde deveria regressar dali a alguns meses…